Do que acontece como restauro



Foto: © Cesarr Terrio


Há muito mais coisa que essa tristeza - pensei enquanto rearrumava a vida, mirando as nuvens que não haviam  pela janela do meu quarto. O céu estava tão lilás que irritava até a mim. Era placidez demais naquele fim de tarde, que não contrastava bem com o que eu acabara de fazer. Eu precisei: ou me despedia de você ou era a mim quem ia morrer. Nunca te neguei o meu egoísmo, e, convenhamos, você me adorou assim, você me conheceu assim. Mas você também me conheceu livre, com grandes asas nas costas e um sorriso que você sabia que sempre andava comigo. Pena a pena foi caindo; suas tramas findaram por me tirar a graça e quando bem entendi já estava em sua gaiola, preso. Passarinho só é bonito porque é livre. Eu tentei te dizer, desesperadamente, e quando ninguém me escutou só me cabia tentar fugir. Primeiro veio o silêncio, porque o silêncio antecede qualquer coisa, e depois veio a despedida, que é o fim de todas as coisas. A parte que você não entendeu é que tudo que cerca também sufoca. Fez muito frio. Fiquei muito tempo no seu escuro, a maior parte do tempo tentando não te magoar. E no final,  fracassei no exato momento em que você fracassou: fui embora na primeira fresta e perdi o sorriso.

Inábil, todos os seus esforços para me prender de volta foram quedas e tropeços e agora estou mais distante, distante, em um puleiro em que não me importa muito como vai você. Chega de sua crueldade.

Quando sai ao sol pela primeira vez desde que me afastei, foi cegueira. Quanto tempo passamos nessa coisa de não declarar que estávamos arruinados, fazendo escoras aqui e ali a fim de que não caísse por terra? Acho que perdemos tempo, mas isso não é um motivo de arrependimento, eu acho. Teria me arrependido se houvéssemos continuado. Mas nunca fui de desistências. O sol me esquentou outra vez. Demorou um tempo, precisei me desmanchar para fundir de novo. Reconstruir é uma gentileza.

Deixe-me quietinho, até que a última pena sare.

Um comentário:

Solange Maia disse...

Margarida Rebelo Pinto, a quem admiro, diz TRISTEMENTE que você pode escolher matar um amor, em vez de morrer dele...

você não...
você diz LINDAMENTE.

Cristiano, você me impressiona, sempre.

beijo imenso