A súplica


Amo diferente. Não sei bem, mas há nas pontas dos meus dedos uma sensibilidade tamanha que, embora eu não faça questão, acabo sentindo mais os outros que a mim mesmo. Então peguei lápis, transformando em palavras o que eu tenho guardado nos bolsos há dias. Mas já não consigo. As palavras escaparam-me dos dedos e, diga-se o que seja, realmente sinto que já não tenho o jeito. Estou minguando, logo eu, que depositei todos os meus sentimentos no ato de escrever. Escrevinhei-me por muito tempo. Agora sa mãos já não são ágeis e há aqui um coração seco e rachado, árido da fé que fez brotar mas vi morrer nessas mesmas linhas. As palavras escaparam-me!, lamurio faz noites e noites a fio. Sob o triste olhar que peso sobre este lápis, agora ele empena, amarela-se esta folha e põe-se escuro este quarto, esta casa, esta vida. Estou triste. E cansado. Sem saber como mudar as coisas em mim. Fosse outro tempo, eu poderia descrever o mundo! Enormes e gloriosas construções verbais tão denunciativas, tão explícitas, tão verdadeiras de mim mesmo. Tudo que escrevo agora é falso, soa frio, soa fraco. Esta manhã senti que acabou a minha prosa. Fali semanticamente, fali na vida. Se dei tudo de mim nesses anos que escrevi, quer dizer que agora estou vazio? Vejo descascar as paredes desta oficina da alma. Vejo a mesma brisa que açoitava as cortinas apagr as velas. Vejo o breu da noite debruçar-se sobre estes lados. Então, no escuro, cairei no esquecimento; não dos outros, mas de mim mesmo. E então não sobrará nada.

Que eu possa dizer,
Que eu possa contar,
Que eu possa escrever. Silêncio.

Sinto que estou me despedindo.


Um comentário:

Thasio Sobral disse...

bom, silêncio é o que eu estou fazendo agora diante do que voce escreveu. muito bom. de verdade!