Romaria do retorno

























 Foto: © Cesarr Terrio



Nunca fui muito bom com as retomadas. Essa coisa de sair e ao voltar, encontrar a aporta aberta. Eu não arriscaria. Porque se fosse, permaneceria do lado de fora jurando que, mesmo que não por má fé, alguém haveria não só de ter tirado a chave como também a maçaneta. Sei que houve um enxugamento  das crenças que eu costumava levar no bolso; mas é o protocolo, tudo pesa. E quanto mais castigados, mais indiferentes ficamos com o que lembramos e com o que esquecemos. Era tarde de sol a pino quando decidi finalmente restaurar essa casa. Mesmo assim ainda demorou dois dias e algum sangue para reaprender a empunhar palavras. Entrei. Poeira e cinzas cobriam cada coisa que pelas paredes e lojotas eu tinha escrito. Se não pelo tempo, pela fuligem do dia em que decidi incendiar algumas memórias. Abri cada janela do peito e roguei para que o vento arrastasse tudo, leva tudo, vento! E ele levou tudo. Ou quase, deixando-me algumas lembranças e aqui e ali punhados de esperança. Sempre gostei do vento, embora nunca tenha sido meu domínio. Não, voar, não!; disse em despeito aos ensinamentos de alguns mestres. Das vezes que arrisquei altos voos metafóricos, as quedas desgraçaram minhas asas e, junto a elas, partiram-se alguns sonhos. Meu domínio é o manual, aquilo que a gente toca. Pegar com as mãos alguns sentimentos que, indiferentes, são feito o barro e amassá-los e amassá-los e quem sabe dá-los forma. Não passarei disso, assim me limito. Com o tempo, que nem heróis de tantas amarguras, minhas mãos, que não tiram nem põem, calejaram-se. Fez-se bem. Existem momentos de provação que ou morre a delicadeza com a qual a gente trata a vida, ou morre a gente. Enquanto isso, sei que me torno mais hábil. E o que quer dizer, meu Deus? Que entre glórias e sofrimentos, sinto-me mais confortável, qualquer que seja a minha condição humana. Desculpem-me qualquer apelo, mas decidi fingir aqui ser cronista, e todo cronista que se prese nunca se deve permitir orações murchas e rala semântica. Em contra-partida tenho um coração que se ofende com qualquer coisa, e de tão persistente findou rompendo a mais rigorosa tranca que construí nesse tempo: o silêncio.

A luz agora volta a entrar nesses cômodos.
E assim por ela voltar, cabe-me voltar, também.

Nenhum comentário: