Coragem e desapego *














©Irisz Agócs


Eu vi um pirralho correr no hall do prédio, com um balão na mão. Vermelho, daqueles de assopro, segurado contra a barriga pelas duas mãos. Fiquei olhando, contagiado pela felicidade do pirralho, que sorria, sorria, sem preocupação. Findou que ele caiu. E, tragicamente, por cima do balão, e o balão estourou. Somente assim, simples assim. O estampido ecoou pelas pilastras e pelo porcelanato do chão. Eu fiz silêncio, o próprio pirralho fez silêncio, a babá fez silêncio, até uma senhora que acabara de sair do elevador fez silêncio. Então, só aí o pirralho pôs-se a chorar e a babá correu para socorrê-lo. E a vida continuou. Naquele instantezinho mudo, todos nos presenciamos o drama do desapego. A morte de um sorriso e o desapego. O pirralho não se machucou, mas o chorinho estridente não rebentou por causa do baque que dera nos joelhos ou susto com o som do pipoco; o pirralho sabia, sabia sim, que aquele estouro lhe custara sorrisos, lhe custara horas e horas de imaginação. E só lhe restou a decisão mais humana, ele chorou. E por sorte ele tinha a babá, alguém para lhe consolar. Nós geralmente não temos quem nos console, quem nos pegue no colo ou nos balance dizendo no nosso ouvido, bem baixinho, que tudo vai melhorar. Porque a gente também fica arrasado, e a gente também chora. Nem que seja escondido no chuveiro, enquanto finge tomar banho. As coisas funcionam bem assim: ora tudo está fantástico, ora caímos e estouramos a bola. Mas já crescemos um pouco. Fingimos não estar tristes, fingimos ser inabaláveis. Mas pegamos os restos de borracha da bola e guardamos no bolso. Pegamos a dor e escondemos no bolso. Porque não é a toda hora que podemos ficar tristes, e a gente segue fazendo isso. Juntando todas as tristezas no bolso, até aqueles dias em que o bolso está maior que o coração. Sentamos na beirada da cama, rezamos seja lá qual for o credo; pedimos força, pedimos coragem. Coragem, que palavra linda: 'Eu preciso ser corajoso. Eu preciso ser corajoso'. Repetimos fervorosamente, esquecendo que esses homens e mulheres verdadeiramente corajosos, também passaram por situações delicadas. Mas a diferença, simples mas não sutil diferença, é que duvido muito que tenham guardado suas mágoas no bolso, ou deixaram de falar o que queriam, ou deixaram se convencer de coisas que não conseguiram. E quem nunca cedeu diante de uma dessas três situações que atire a primeira pedra; ou melhor,que tente juntar novamente os pedaços de borracha e fazer um novo balão. Eu choro, tu choras; nós choramos. Porque chorar, é o passo imediato do desapego. Então vamos voltar ao desapego. É preciso treinar o desapego. Deixar para trás as tristezas, a histórias trágicas, as chagas e os desmantelos. Precisamos desapegar mesmo das coisas, embora doa, embora arda, embora uma parte nossa morra; mas devemos liberar espaço no peito, devemos livrar um pouco dessa fumaça. Porque o coração é uma mesa; cheia de coisas. Só entra uma nova quando sai outra, e as coisas tristes são grandes coisas. Tanto que a gente se importa. Nove comentários bons, um ruim, e a gente se importa. Nove mensagens respondidas, uma esquecida por alguém, e a gente se importa. Nove horas felizes, um segundo triste, e a gente se importa. Que a vida agora seja assim, uma contabilidade de coisas positivas e que o coração seja sempre varrido contra as tristezas. Então vamos exercitar o desapego. Porque desapego é coragem.
E eu garanto, ser feliz também.



"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria, 
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem."
(Guimarães Rosa)


Para 'Coragem de desapego', venha por aqui.Publicado no Jornal InformAção, no dia 18/04/2011.

Um comentário:

H. Cruz disse...

Ora ora, mas que saudade daqui.