Que venham os patronos


 Foto: © Cesarr Terrio




Não vou desafiar os santos de cada um, é claro. Nem santos, nem demônios; não cabe a mim. Mas não rezarei por ninguém. Reaprendi uma coisa muito clara: o imponderável está aí, munido com suas más interpretações e suas angústias e seus fantasmas gritando e amaldiçoando aquelas vozes do passado. Já passei por isso antes, várias e repetidas vezes que agora sou suficientemente forte para saber que a frieza das pessoas não é obstáculo para minhas preces. E volto a dizer que não são por elas, minha oração é pelo todo. Que a paz resida na conduta de cada um; mas nem eu mesmo consigo! É deveras difícil caminhar sem pisar na vaidade de alguém, e muito sinceramente? Já não me importo tanto. Eu sei que a minha ocupa muito espaço também. E é por isso que nunca deixei minha armadura enferrujar; várias noites, poli em silêncio e lágrimas cada pedaço de metal amassado. A gente no fundo sabe quem vai dar a mão e quem vai dar a patada. O tempo pode ter passado, eu posso ter desaprendido alguns detalhes; mas eu nunca esqueci de como me defender. A inocência sobrevive no rosto, e eu ainda sei lutar. Ah, eu sei. Se a tristeza vier uma vez mais com suas trombetas, e virá, eu sinto; também é esse meu chamado, porque cada calo nos meus pés é prova de que não é do meu feitio ficar calado. Mas jurei ser diferente, jurei que tentaria arrancar de mim cada farpa de rancor, cada estaca de inquietude; jurei pela minha integridade tentar ser um pessoa melhor. E agora fico eu, sentado nesse trono de incertezas esperando o primeiro decreto rachar minha paciência. Essa fé que eu venho juntando me fez mais forte, eu sei, mas para a impavidez ainda me falta muito. A tolerância é uma coisa frágil, eu sempre disse. Ciente disso, eu não peço a ninguém que me trate com piedade, só espero o seguinte; que me julguem justo, pois eu sempre fui. A verdade é mais frágil ainda, deve ser tirada na fonte, colhida na beira do riacho, enquanto ainda exala, enquanto ainda é viva. O que vem de outros lugares não é mais a verdade, é a intriga. Então, como disse, é tempo de exorcizar as amarguras da alma e todos esses fantasmas berrantes. Que a trégua seja o limite do ego, que a injúria não se faça maior que minhas muralhas, e que o santo de cada um seja respeitado: se não pela reza, pelas armas. Cada esperança com seus abismos.




#Para Hyego Reis. Cuja dignidade é uma discrição.



5 comentários:

Rafaelle Benevides disse...

Cris, querido, teus textos parecem estar crescendo e amadurecendo junto contigo e isso é lindo de ver. Beijos.

Jéssica Trabuco disse...

Reze por si e será suficiente.
Belo texto!

lídia martins disse...

Desculpe Cris.

Ontem apaguei como uma vela, que o vento, ao ver seu bruxuleio exausto, decidiu dar o sopro de misericórdia. Depois do café, rumei para sua oficina. Vi que estava trabalhando em um Santo de Madeira Talhada.Em um de meus tantos surtos de imaginação, certa vez escrevi que o ego é o assombro da personalidade.E costuma transbordar de gozo quando consegue sufocar a nossa essência.

Vejo que suas mãos estão cravadas de farpas ponteagudas de tanto aperfeiçoar a sua essência.

E não há integridade maior do que sentar-se em sua cadeira nesta oficina da vida, e fazer com que este santo de papel e tinta que talhaste com a caneta, lhe sirva de companhia nesta viagem bonita que é o extremo de si mesmo. E finalizo chamando em nossa defesa a voz autoral de Fernando Pessoa.

"É o tempo da travessia, e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."


Te abraço.
Me abraças.
Nos aquecemos.

Marianni Mainardes disse...

Olá Cristiano..
Parabéns pelo Blog!
Vi que é de Aracaju, minha cidade Natal, fiquei muito feliz..
Seguindo-te, convido-te a visitar o meu, se gostar segue?
Bjoo...

Lucid Nightmare disse...

Muito bom...
Muito bom mesmo.