A prática do alívio

 Foto: © Cesarr Terrio

Não é permitido se desfazer do sorriso, decretei. Era manhãzinha. O sol começava a se indispor com a escuridão e calmamente, a passos justos, se apresentava imperiosamente.  A luz é mesmo uma coisa inestimável. Enquanto rasgava a noite, aqui no peito eu sentia que também se rasgava a tristeza. Era daqueles rituais, que mesmo não sabendo o que são, a gente faz inercialmente. Respirei bem fundo, uma, duas vezes. Abri os olhos e senti que cada extremidade do peito relaxara. Vai embora, vai embora, tristeza! E ela foi. Ainda sentado na janela, estiquei os braços para o alto, naquela forma de espreguiçar que nos traz consolo, e agradeci, claro. Por que de carregar tanto desamor nas costas? Eu não precisava. O sol já havia aberto o céu, estava claríssimo, alvíssimo, convidativa manhã de sol. Eu e o alívio resolvemos dar um passeio. O dom da Aceitação, foi o que aprendi naquele momento. 'Não precisamos, nunca, sustentar as coisas, as pessoas, as crenças, as mentiras, as virtudes. Há de existir a possibilidade de jogar tudo no chão. Por que?, eu também me pergunto. Mas por que se dispor?, é minha conclusão. Não é insensibilidade minha, não. Sou daqueles que sabem que coração também é pele e dignidade é exercício. Mas agora sei de mais coisas, não é egoísmo levar só o que quisermos nas mãos, é gentileza. É ensinar ao outro que é preciso carregar também, pois se não carrega, ninguém deve se responsabilizar pelo que fica. É pecado não ensinar como é a vida. As pessoas costumam não prestar atenção, mas tudo é uma grande romaria. E quanto mais coisas carregamos, mais o cansaço nos convence a não ser. Cansaço é tristeza.' Alívio veio me explicando tudo isso, enquanto passávamos por ruas já movimentadas por carros. E crianças indo para escolas e pessoas tomando conta de suas vidas. Compreendi mais uma coisa: não é porque era noite que a vida havia parado, mas havia ficado mais bonita porque era dia.