Areial



















Foto: © Cesarr Terrio



Essa estranheza não me é familiar. Como areia, engoli o vazio que havia na boca; sim, era vazio e não areia. Não sei porque ainda misturo as coisas, porque ainda acho que, mesmo podendo se desmanchar ainda mantenho essa pequena possibilidade de que por um segundo que seja se façam sólidas. Não vou receber mensagens suas essa madrugada, eu sei. Não importa quantas vezes eu acenda o visor, quantas vezes eu tateei o teclado no escuro. Não receberei uma só mensagem. É a mesma crença nas pequenas possibilidades e a mesma certeza de que as pequenas possibilidades não costumam acontecer. Não acontecemos naquela noite em que embora eu tenha tentado e tentado te convencer, só carreguei um beijo frio para casa. Deixei todas as esperanças na rua naquela noite e jurei, pela vontade que tenho de você arranhando meu pescoço, que não mais irei perigar por ninguém. Meu quarto tem um enorme espelho, daqueles de moldura retangular e branca. Algumas noites sentei encostado nele, arrasado, partido, em frangalhos. Enquanto eu via em mim a grande tristeza, ele me mostrava lágrimas ralas e o quanto somos patéticos chorando. Choro a choro ele terminou por me ensinar novamente que não vale a pena se deixar derrotar por ninguém, por ninguém que seja. Houve uma noite em que levantei para o espelho e frente a frente com um homem de barba, de olhos tristes e de mãos nunca calejadas, entendi que a felicidade deve ser mais forte. Todo sorriso é um testemunho, repeti como se prece fosse. Fui tirando as tristezas do rosto, e isso te inclui, e soprei das minhas mãos feito pó, feito fuligem, feito areia. Eu gosto da areia. A trágica ilusão da solidez. Os restos do restos que sobram da erosão, da fragmentação. A areia é o que sobra, é o que fica. O que a gente gosta também vira areia. Soprei pra que o vento leve, pra que se desmanche; vez ou outra temos de assoprar o coração, tirar a poeira, e com um pouco mais de cuidado, talvez lustrar, polir aqui e ali, porque mesmo um coração surrado e sujo pode vir a brilhar novamente. Vez ou outra temos o direito de encher o coração de alegria e esvaziá-lo de todo o resto. Quando acontecer, paremos de esperar por qualquer pessoa que seja. Há tempos em que, fechando os olhos um pouquinho que seja, sozinhos, em silêncio, em fé, somos absolutos. E esse sentimento de plenitude é muito maior do que qualquer pequeníssima possibilidade que teimamos e teimamos em manter. Não precisamos de coisas pequenas; a felicidade deve ser mais forte. E se estamos felizes, somos mais fortes, também.