Manifesto sobre o amor



















Foto: © Cesarr Terrio



Está consumado, uma vez mais. Antes que a névoa fria dos que se ajoelham embace meu olhos desassossegados, eu preciso falar de amor. A parte mais engraçada do amor, a parte mais cômica do amor é que ele despedaça as coisas. Despedaçará todos os que amam e que nunca serão respondidos. Despedaçará os que se amam e que nunca se encontram. Despedaçará os que estão juntos e se separam. E todos nós já amamos sem um mero gesto de retorno, e todos já amamos inalcançáveis, e todos amamos até nos separarmos. O amor já despedaçou a todos nós. O amor já rasgou as últimas esperanças das almas, já secou as lágrimas que por último desceram, o amor já sabotou inúmeras possibilidades de amor; ao menos uma vez, a cada um de nós, e se nunca, ainda haverá de acontecer. É profético, vidro em estardalhaço, grito em eco, suspiro em desespero, racham-se todas as paredes e pontes e alicerces dos futuros que construímos sob o sol leve e dourado da promessa que é o amor. Apesar do perigo que cega todos os sentidos, o amor sempre é bem-vindo. Sabemos porquê, embora sempre e sempre seja expulso das soleiras  de nossa ruína amaldiçoado. Eu sabia exatamente sob qual abismo que afunda inocentes eu brincava, e sorria, e te esperava preenchido da boa-aventurança que é ter fé. Como a rajada que arranca as flores dos galhos mais avançados, caí no chão com a pancada no peito. Tum-tum. tum-tum. A gente sempre continuará acreditando. Um silêncio salgado e choroso apoderou-se de deste quarto, já não basta-se o frio, o frio, o frio que corrompe as certezas. Eu já esperava, eu já esperava. Não condenarei o amor que possa vir acontecer ainda e nem aos possíveis fracassos que o acompanharão todas as vezes que vier bater à porta desta tumba escancarada em que por vezes o enterrei. O amor não morre. Disse várias vezes que ou morre ele ou morre a gente. Todas as vezes ele me matou. E continuará nos matando. Nisso tudo ainda permanece o motivo de ser tão hilário: ainda continuamos acreditando! Ainda continuamos o querendo mesmo sabendo que findaremos destruídos em alguma valeta desta terra que acolhe todos os de coração quebrado. O amor tem o preço de sua promessa, de seu prazo, do período que passa fingindo eternizar-se na memória. O amor então passa e o esquecemos. Mas antes pagamos o saldo com dor e com orações de que a dor passe. O amor é o filho da prostituta que resolveu assim chamá-lo. O amor é o absurdo mais literal e menos poético que cabe dentro de nossa dignidade. O amor é o consolo e o rebento de todos os desventurados.  O amor é a morte e o restauro das preces e das pragas.
O amor é o amor e despedaça todas as coisas.


# Para Maysa Fonseca; que permita-se, que permita-se.

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