O enrijecimento




















 Foto: © Cesarr Terrio



Vou precisar me fechar novamente, como todas as vezes. O peito exposto dói ao menor sopro, e a vida sopra, tempesteia essa infinidade de probabilidades inconcebíveis, e eu já não tenho paciência. Sinto muito, mas não tenho não. Não falo isso por raiva, falo por cansaço; que as pessoas entendam: cada qual tem suas desgraças particulares. Não preciso de ninguém para entender as minhas, como sei que não sirvo de nada para me intrometer nas de alguém. Deixemos as tragédias pessoais, e não nos metamos, não invoquemos os nomes, não comentemos; que cada injúria permaneça secreta no imaginário de cada um. É proibido invadir o sagrado. A linha entre o consentimento e a ofensa é uma lágrima, vejam. Um choro contido no chuveiro, um sorriso a meia-boca, um adeus casual. Talvez, o que escondam não faça nenhum mal, mas, talvez, o que escondam nunca deva ser achado. É proibido cavar no alheio. Deixemos os egos, deixemos as escolhas, deixemos os gostos de cada um. Deixemos a vida acontecer do jeito que ela é, sem pitacos e sugestões para todas as coisas, sem a obrigação de sermos agradados e agradarmos todo o mundo sempre. Eu gosto quando se quebram os elos, quando essa pressão das expectativas se rompe, quando temos as asas suficientemente fortes para voar. Mas a insistência é grande, não serei o que não posso ser, principalmente porque toda possibilidade é uma extensão do meu querer. E com essa, eu afirmo, não há mais tempo de ser um motivo de conforto aos outros, é tempo de ser para si mesmo. Sem egoísmo, sem ambição, mas com essa coisa bonita, que é se resguardar como num inverno, e por dentro se fortalecer. Não sou mais tolerante, e completo: descartar também é preciso. Decidi deixar o pesos, decidi apenas vestir essa leveza, e repito: vou precisar me fechar novamente, como todas as vezes.



6 comentários:

Jéssica Trabuco disse...

"Deixemos a vida acontecer como ela é"

Você tem um texto muito bom, adoro vir aqui.
Parabéns.

Luna Sanchez disse...

Tem momentos em que tudo o que precisamos é de um silêncio respeitoso.

Um beijo.

Rafaelle Benevides disse...

Escrita cada vez mais linda... Feche-se, mergulhe e retorne trazendo as pérolas que encontrar dentro de você. Vou aguardar ansiosamente.

Lucid Nightmare disse...

Então feche-se e quando estiver pronto, retorne mais forte.

Estaremos a sua espera.

lídia martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lídia martins disse...

Flor de ir embora
É uma flor que se alimenta do que a gente chora
Rompe a terra decidida
Flor do meu desejo de correr o mundo afora
Flor de sentimento
Amadurecendo aos poucos a minha partida
Quando a flor abrir inteira
Muda a minha vida
Esperei o tempo certo
E lá vou eu
E lá vou eu
Flor de ir embora, eu vou
Agora esse mundo é meu

Une Fleur



Cris,

Eu ia dizer alguma coisa. Mas as palavras acabaram falecendo em meus lábios, esfarinhando-se em sopros de sombra inclinados.