Retirante





















Foto: © Cesarr Terrio


Nem percebi e já se faz Dezembro. Não é culpa minha; a vida tem se feito muito rápido e eu, muito lento. Cada palpitada tem sido contada e cada tristeza, também. E compreendo que fiquei mais forte, meu cabelo já não é o mesmo, meu sorriso não é mais o mesmo e nem ninguém. O grande espelho do meu quarto me estranha, observa atônito um homem que todos os dias acorda cedo para o de sempre, só retorna quando a lua testemunha o cansaço. Tenho nos olhos o cansaço, e uma beleza que pouco a pouco vai se perdendo. A gente vai se perdendo e não sente, e nem sabe; até que mecanicamente substituímos nossa espontaneidade por essa mecanicidade. Quando diziam que o tempo era implacável, eu não acreditava, eu não concebia. Mas será verdade? Será que toda existência tem por função o padecimento? Depende. Porque aqui dentro, onde não faz frio e não chove, eu sei que infinito é apenas um estado deliberativo, e nele se firma todos os meus votos. Que haja dignidade, integridade e amor. Porque lá fora, onde não palpita e ninguém nada entende, a vida preza pelo desfalecimento das estruturas, dos sonhos, da serenidade e concórdia; é que além do que em nós cabe, existe um mundo inteiro de sortes que jamais nos pertencerão. É como desejar que, por vaidade, apaguem-se todas as luzes da cidade; não me arrependo. Fecho os olhos e repenso, como se prece fosse; livrai-nos, Senhor, de tudo que nos impaciente e nos dê aquela ternura para nunca, nunca, amargarmos com nós mesmos. Amém.

2 comentários:

Rodolpho Padovani disse...

Amém.
Dizer que eu compartilho do seu pensamento vai parecer repetitivo, mas é verdade, eu estava dizendo "amém" antes mesmo de o texto terminar, haha.

Talvez um dia alcancemos o tempo e então descobriremos que todo o padecimento que ele prega era pura enganação, só se desgosta quem se desgasta por dentro.

Abração, Cris!

Rafaelle Benevides disse...

E seu texto (belo como tantos outros que já li aqui) recorda-me Gonzaguinha: "... um homem se humilha se castram seus sonhos, seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho. E sem o seu trabalho, o homem nao tem honra e sem a sua honra, se morre, se mata. Nao dá pra ser feliz, nao da pra ser feliz..."

Saudades daqui, meu amigo.