Tudo em gotas

Eu até gosto que chova. Mentir para quem? Gosto sim. Fico bem na chuva, chega até a pensar que combino com ela. Soberba demais comparar-se com a chuva, mas nessa altura da tempestade, quem está se importando? Gosto porque é surpreendente. Aliás, gosto de tudo que é surpreendente. Detesto saber o final antes de chegar nele, e olhe bem, tenho esse dom. Mas, a chuva, não. Ela consegue me pegar tempestuosamente exatamente na hora que fecho o portão. Sinceramente, é genial. Humilhar-me sem nem que eu possa devolver com um palavrão, é digno de admiração. O sol não, me irrita. Aquela alegria radiante todas as manhãs em que você preferiria morrer a ter que acordar às 6 e acorda. Prefiro o céu carregado, congestionado, chumbo-acinzentado. São nas horas chuvosas em que é possível perceber o quanto a vida é sucetível. Basta que escureça um pouco: as cidades se calam, os faróis são ligados na esperança de que possa-se enxergar alguma coisa; cachorros enroscam-se em algum buraco, as ruas encharcam-se enquanto as crianças brincam nos vidros embaçados. Estou falando das boas chuvas, rasgadoras de céus e que lavam as almas. Surpreendente. Somos tão pequenos comparados à chuva, somos tão pequenos comparados a tantas coisas. Gosto, então, do que me faz pequeno. Até porque sou pequeno e não tenho argumentos para convencer a mim ou a outras pessoas do contrário, mesmo que eu queira. Você também não.