Além de céu *





















©Irisz Agócs




Quando passei naquela praça, o silêncio era quase gritante. Passei muito rapidamente, era noite, era tarde demais e estava tudo vazio. Mas, observando por observar, num banco no meio da praça, um senhor, bem senhor, com semblante de pouca esperança e, obviamente, uma não preocupação que eu não tinha. Eu não entendia o porquê, qual a conveniência, o que desgraça aquele velho fazia. Só podia ser tristeza demais. Mas não dirigi uma palavra, porque ele não estava perdido; tinha era cara de desencontrado da vida. E segui. Com pensamentos retumbando, e uma aflição no peito. Imagina só: velho e sozinho numa praça numa lamentosa madrugada.  Podia bem estar pensando na vida ou bem estar pensando na morte. Dizem que é triste morrer sozinho, e eu acredito nisso. Mas o problema ali não era o acreditar. A gente finda acreditando em muitas coisas terríveis. E nem medo, porque é tragicamente uma condição, ter medo. Naquele momento, me afligia, era a solidão, e o sentimento de similaridade. Minha vida passou bastante assim, sem ninguém que me fizesse companhia. Pensar num final como esse, desiludido assim, triste assim, é assombroso. A solidão preenche espaços, preenche tardes, preenche tudo que as pessoas não preenchem em nossa vida. E terminamos assim, na soma de tudo, solidão. Nós somos solidão. Não por destino, por praga, por afeição; acontece assim, a gente vai fazendo escolhas e se afastando, se afastando de tudo; de que alguém descubra seja lá o que escondemos. No fundo cada um de nós tem desejos, tem segredos, tem uma fé; umas coisas tão escondidas que nunca havemos de contar a ninguém. Não, não havemos. E ser só, é um estado de espírito, manifesta-se sutil. É talvez querer ficar um pouco só no quarto, é estar mergulhado em pensamentos próprios em meio a uma multidão, é passar toda a agenda do celular e não ter para quem ligar, e mesmo que tenha, não ter vontade. E a gente vai deixando a vida passar assim de bom grado. Insistindo em guardar segredos, insistindo em esconder desejos; porque se a gente conta, é o mesmo que entregar-nos a quem quer que seja. E o verbo entregar-se é ingrato. Estamos treinados a não ser vulneráveis, a jamais sermos, a resistir a todo contato que não permitamos, a condenar aqueles anseios espontâneos, mesmo que o silêncio de nossas decisões seja insuportável e o palpitar seja somente um ruído chato. Porque solidão também é defesa. Às vezes nos escondemos de nós mesmos, justo, prático, corriqueiro. Para que sermos nós mesmos se podemos ter aquela imagem impecável, sociável, frígida?  De se esconder e se esconder do mundo, terminamos tornando-nos estranhos a nós mesmos, e aí então, mais sozinhos do que nunca. E com esse último pensamento, parei com a chave na mão de frente ao portão, e tive pena do velho. Se era para mim um total estranho ali, naquela situação tão quanto estranha, imagina o quanto não era ele para si mesmo. Inclinei a cabeça um pouco para trás, e orei para todos o que se sentem sozinhos, mirando o céu.  Mas o céu é grande exemplo da solidão. Encharcado de estrelas por todos os lados, mas com cada uma distante da outra. Mesmo gloriosas, umas afastadas das outras. Anos-luz, segredos-luz. A solidão está por todos os lados. Então não adianta ser um sol nessa vida, e nem ter um monte de corpos em órbita, só basta ter companhia. Ser estrela também tem preço. A vida tem mesmo dessas coisas engraçadas. Que o fim justifica os meios. Que o contrário do amor é o ódio. Mas não é não, não dá para resumir verdades em orações simples, nem dá para saber como simplesmente a oração acaba, ou, como se faz uma oração. O contrário do amor não é o ódio, não. Nem o desamor, nem a indiferença; contrário de amor deve ser estar realmente só.
O que faltava naquele velho era amor.




“Que a gente é como um pedaço da noite.
De longe, estrelas perfeitas.
De perto, estrelas tortas.
 (Walcyr Carrasco, em: Estrelas Tortas)






#Agora faço parte do Jornal Informação. Todas as segundas publico inéditos por lá. E 'Além de céu' foi meu primeiro. Ficarei realmente grato se além daqui, vocês também me acompanhassem nessa nova empreitada. Porque, melhor do que ninguém, sabem que eu nunca prometo coisas boas, somente as que forem de verdade. Muito obrigado.

(*) - Toda as publicações que vierem de lá, terão um asterisco no título.

Para 'Além de céu', venha por aqui.
Publicado no Jornal InformAção, no dia 04/04/2011.

5 comentários:

Jéssica Trabuco disse...

A solidão nos acompanha mesmo quando estamos com alguém, mas aí eu não gosto muito dela. E eu me mostro de verdade, mesmo que me machuque. É melhor do que estar sozinha. Porque além de pessoas que me machucarão, sempre tem aquelas que me dão colo e me fazem sorrir de verdade.
Muito bom o texto, gostei mesmo.
E parabéns por essa nova etapa, boa sorte no jornal moço!

Danny disse...

Ah Cris, sempre estas a me dar asas...
Sabe que as vezes gosto da solidão, mas só daquela que nos faz refletir, que silencia a alma.
Algumas de nossas decisões nos afastam de todos mas é esse o preço para se tornar estrela...Não deixando que o amor se dissolva haverá sempre com quem contar.

Beijos na Alma
E muito muito sucesso, todas as segundas estarei por lá e sei que a de vir coisas boas sim. É impressionante a forma em que me encontro em todas suas escritas...
E assim descubro mais de mim..

>>>Dani

Brunno Lopez disse...

A explanação está otimista, substancial - talvez sonhadora - e com graus de pureza.

Amor em falta não precisa ser uma culpa ou um crime. Nem todos precisam disseo em prateleira!

Belo texto.

Walquiria disse...

Algumas solidões nos acompanham com a nossa inteira permissão, outras nos perseguem... Que triste é ficar sozinho. E tbm sem amor!


Adorei o post.

Bom fds. Bjs doces

Malveira disse...

Como smepre, sensível.
Como Sempre, simples.
Como sempre, muito bom.
Como sempre, muito bom passar por aqui, meu jovem.