A vida por uma chuva qualquer














 Foto: © Cesarr Terrio



Foi sorrindo que te contei que nunca haveria de existir gente que cumpra sonhos com a mesma obstinação que temos de perdê-los. Mas talvez, talvez, sejamos nós. A gente tem essa tendência ao fracasso, essa coisa esquisita de contar quantas chances tem de dar errado enquanto há apenas uma, única e peremptória, de dar certo. Embora não saibamos, ou não queiramos, costuma-se terminar assim, errado. Vi em seus olhos o exato momento em que você não compreendeu. A placidez tímida morreu no seu rosto, enquanto eu com rosto sereno, senti-me capaz de dizer-te tudo que eu bem entendia, tudo que eu achava, e, enfim, só por pirraça fazer apagar todas as luzes da rua para que, quem sabe, você me visse com um pouco mais de brilho, mais claro. A noite se despiu em breu, você já não entendia nada. Mas, sem luz, a beleza em você acendia. Então tornamo-nos isto, dois iluminados, escondidos em algum lugar da cidade com os vidros embaçados. E ora a chuva vinha e ora não, e ora vinha e ora não; escorria por nossos dedos qualquer preocupação, na noite paisana que se construía em nós.  Eu tinha-te nos braços e a ternura deste momento poderia se estender pela vida inteira. Tua cabeça encostada no peito, a cada arfada ritmada sentia-me bem por te ter por perto, e então você estava mais perto, mais perto. Entrelaçamos suas respirações e as palpitadas do meu coração, moça. Choveu novamente. E quem sabe chovia só para que a gente escutasse. Mesmo que não fosse e se você me perguntasse, eu diria que sim. Têm mesmo destas coisas: a vida é surpreendente, quando todo o resto desiste de ser; e, sendo a vida surpreendente, como não há de todo o resto ser também?

2 comentários:

lídia martins disse...

É tanto céu, que derrama.

Luria Corrêa disse...

Palavras escolhidas de uma forma linda. Acho que assim como o seu texto, de vez em quando a gente se perde na complexidade do nada e põe tudo à prova só pra pensar no que fez depois.

Bom feriado, beijo.